Belo Monte :
petição do Cacique Raoni

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Kapot NHINORE, o território ameaçado do Raoni e do povo Kayapó

Kapot NHINORE, o território ameaçado do Raoni e do povo Kayapó

O Kapot-Nhinore é a ultima terra indígena dos Kayapós (etnia Mebengokre) a ser demarcada e é onde Raoni Metuktire nasceu. Para ele, a preservação do Kapot Nhinore é uma questão de sobrevivência de seu povo e de honra, pois neste território existe um cemitério ancestral aonde seu pai foi sepultado. Ultimamente, ocorreram incidentes graves nessa região sagrada (vejam nosso artigo “Terras indígenas invadidas...”), e o cacique Raoni lançou um apelo internacional para tentar, enfim, resolver esse caso que o Brasil está deixando envenenar a mais ou menos vinte anos. O artigo abaixo, em forma de relato, prova isso suficientemente. Ele permite compreender melhor o que está em jogo nessa situação complexa.



Liderança Indígena.

No dia 7 de fevereiro de 2012 um estranho radiograma chegou às minhas mãos através do Instituto Raoni. Ele havia sido enviado pelo sistema de radiofonia da Saúde Indígena do Ministério da Saúde e continha a seguinte mensagem:

“Prezado Senhor,

Informamos que ontem por volta da 21:00 horas ouvimos a explosão do caminhão da Funai a cerca de 7 km da Aldeia. Como havíamos conversado com o Major Castelo com quem tínhamos combinado que estariam aqui as 9:00 da manhã de ontem e como os militares andam junto com os pistoleiros, achamos que eles em conjuntos explodiram o carro as 21:00 horas .

Senhor coordenador queremos ressaltar que tem 03 dias que estamos esperando a presença da policia federal aqui no kapot nhinore. Pedimos providencias com urgência.

Atenciosamente,

Lideranças: Apuiu, Mama Yudja, Apudek Yudja, Agmee Metuktire, Bepkaroti Metuktire, Bedjai Metuktire, Patkare Metuktire,Yassenaku Juruna, Bolinha Juruna”.

Num primeiro momento, achei que havia ocorrido algum tipo erro na transcrição da mensagem. Isso é muito comum por conta da péssima qualidade do som transmitido pelos rádios das longínquas terras do Kapot-Nhinore. Não pude entender como policiais militares poderiam ter se unido a pistoleiros para fazer um ataque ao carro da Fundação Nacional do Índio. Não fazia sentido. Mas não, o radiograma estava certo. Pude confirmar a mensagem das lideranças por meio da delicada entrevista que conduzi com indígenas do Kapot e do Piaraçu, que me contaram a história que agora vos conto através desta nota.

O Kapot-Nhinore é a ultima terra indígena dos Kayapós (etnia Mebengokre) a ser demarcada e é onde Raoni Metukteire nasceu. Para ele, a preservação do KapotNhinore é uma questão de sobrevivência de seu povo e de honra, pois neste território existe um cemitério ancestral aonde seu pai foi sepultado. Já são mais de 50 anos de luta pela demarcação desta terra, que é indígena - não há dúvidas com relação a isso. Numa rápida consulta ao Ministério da Defesa, descobri que os marcos geodésicos ainda não foram devidamente posicionados pelo Exercito Brasileiro e que tal procedimento leva em média quatro meses para ser realizado. Entretanto, sequer havia a solicitação prévia do Ministro da Justiça, Sr. José Eduardo Cardoso, para que a demarcação da Terra Indígena fosse concretizada. Ou seja, a demarcação, seguida da homologação da terra indígena do Kapot-Nhinore estão bem longe de ocorrer por razões que espero ser capaz de esclarecer no filme “Belo Monte - Anúncio de Uma Guerra”, que será lançado em abril.

Em razão da realização do documentário “Belo Monte – Anúncio de Uma Guerra”, no dia 23 de novembro de 2011 estive presente em uma reunião no Ministério da Justiça, na qual Raoni, na presença de Paulo Maudos (Secretário da Presidência da Republica), exigiu um encontro com a presidente Dilma Rousseff para solicitar a paralisação da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte no rio Xingu. Já Yabuti Metuktire e outras lideranças indígenas também presentes na reunião solicitaram a remoção de Sebastião Martins do cargo de coordenador regional da FUNAI de Colider-MT - Sebastião é considerado corrupto pelos indígenas e, na melhor das hipóteses, é omisso frente aos crimes escabrosos de roubo de madeira e garimpo em terras indígenas. A reunião foi conduzida por Paulo Maudos, sendo que mais tarde o Ministro da Justiça, Sr. José Eduardo Cardozo, deu a graça de sua presença. Raoni tratou-o com o imenso respeito que deve ser dirigido a um chefe de estado. Raoni sorriu e presenteou-o com uma borduna Kaypó: “Você vai ajudar os índios, eu sei que vai”. Enquanto tudo isso acontecia, eu guardava a minha autorização para entrar na sala e uma jornalista me ligava para dizer que eu estava louco ou mentindo a respeito de tal reunião. Ela disse ter ligado cinco vezes para o Ministério da Justiça e que haviam negado a existência de qualquer reunião ali naquela hora.

A reunião ocorreu, muitas promessas foram feitas e nenhuma foi cumprida. O governo brasileiro mente para os indígenas sem o menor constrangimento. Instantaneamente lembrei-me da entrevista que fiz com Cacique Kuyuci Kisêdje sobre Belo Monte: “Presidente ‘me’, deputado me, senadoro ‘me’, advogado ‘me’, eles todos mentem, homem branco mente até no papel. Índio não mente, assim que é bom.”. Senti nojo da minha raça, nojo da minha aldeia. Ali, naquela reunião, era o momento adequado para a assinatura da demarcação da terra indígena do Kapot Nhinore. Mas não, lamentavelmente nada disso aconteceu. Posteriormente fui perceber que a negação do direito à terra está diretamente vinculado à violação de todos outros direitos dos povos indígenas do Xingu. Isso se deve a Belo Monte, ao garimpo do ouro cujo preço não pára de subir, à desenfreada produção de soja que envenena os rios e as pessoas que dele vivem, às PCH’s (Pequenas Centrais Hidroelétricas) nas cabeceiras do Xingu e até mesmo uma estrada para o escoamento de soja ligando os municípios de Gaucha do Norte, a Querência. Tal estrada afeta o Parque Indígena do Xingu, pois passa apenas a 30 km da Aldeia Ipatse do povo Kuikuro. Todas etnias do Território Indígena criado em 1961 pelos Irmãos Villas-Bôas são veementemente contra esta estrada e acreditam que posteriormente outras estradas começarão a entrar em suas áreas.

Tudo isso para explicar como pistoleiros e fazendeiros vestidos de policiais atearam fogo e explodiram o caminhãozinho da FUNAI no Kapot Nhinore no dia 6 de fevereiro. Na caçamba havia quatro motores de poupa e, amarradas no teto, 5 embarcações pequenas. Tudo havia sido apreendido pela Policia Federal em agosto de 2010 e originalmente o equipamento era propriedade de um individuo conhecido como Zézão, dono de uma pousada dentro da TI (Terra Indígena) que ganha a vida com o turismo de pesca ilegal no rio Xingu. Seu empreendimento chama-se “Trairão”. Em 2006, Zezão já havia mandado avisar: “não quero mais ver índio aqui”. Poucos dias depois, covardes pistoleiros fizeram um ataque a Wayway Metuktire, uma importante liderança do Kapot Jarina que me concedeu a seguinte entrevista:

Wayway: Estava eu, Karopi, Cacique Yudi e Pioty, foi muito rápido. Começou uma chuva de bala e o barco faiscando. Não sei como, mas acho que foi milagre, nenhum chumbo acertou na gente. Quando paramos mais acima do rio, o barco tinha mais de vinte buracos de bala. A gente volto pra aldeia e reuniu muitos guerreiros, passamos a noite com as armas apontadas e dedo no gatilho.

Kiabieti é o irmão mais novo de Wayway que afirma conhecer todos os caminhos do local, por isso sua participação na missão era imprescindível:

Kiabieti: Mas aí chegou o IBAMA e a Policia Federal, com helicóptero e tudo, eles falaram pra não atirar, tinha que esperar ele atirar primeiro.

Kabokin: Como assim? Essa foi a recomendação da PF?

Kiabieti: Foi sim, e da FUNAI também, ele tinha que atirar primeiro pra gente poder matar ele. Então essa batalha agente perdeu.

Ao que parece Zezão possui muitos capangas e trabalha em conjunto com Fleurimar.

Fleurimar Ferreira dando entrevista para a TV AraguaiKiabieti: Esse fazendeiro... o Fleurimar, ele fala... ele sempre fala: “essa terra não é mais do índio, outros fazendeiros já compraram há muito tempo.”.

Fleurimar e Zézão são os principais suspeitos do ataque de 2006. Nos dias de hoje, Zézão continua com suas atividades na Região do rio Xingu e do rio Liberdade. Em fevereiro deste ano, ele sabia que seus motores e equipamentos de pesca seriam doados aos indígenas do Kapot-Nhinore. Naquela semana em que recebi o radiograma, o caminhão da FUNAI seguiu para Colider. A estrada não estava boa, mas dava para trafegar tranquilamente. Eles carregaram o caminhãozinho na cidade com os equipamentos apreendidos. Na volta para a aldeia, foram vítimas de uma armadilha. Alguém havia cavado um profundo buraco e tampado com folhas e terra de modo que o motorista não poderia ver. O caminhão caiu no buraco, os indígenas não podiam deixar as coisas ali no meio da estrada e então permaneceram no local por dois dias. A essa altura, os indígenas já haviam solicitado o apoio da Policia Federal. No terceiro dia à espera de algum auxilio, os indígenas foram abordados por homens fardados. Eles disparam diversas vezes próximo aos pés dos indígenas, queimaram e explodiram o caminhão com tudo que tinha em cima. As policias de Querência, Colider, Porto Alegre do Norte e Vila Rica negaram qualquer participação nesta operação.

Mayalu Txucarramãe: “A cada dia que passa os problemas aumentam, o desmatamento e as fazendas invadem o território indígena de forma crescente. Porque não deixam agente em paz!? Por que não demarcam logo a terra!? E por que a Policia Federal não chega nunca. Já faz 5 dias que explodiram o caminhão... Eu estou com medo que façam mais mal para o meu povo.”

Mayalu, neta de Raoni, tinha razão. Uma semana após o ocorrido, Kaya Juruna, um indígena que mora no Kapot Nhinore, saiu de motocicleta para fazer um telefonema na Vila da Paz. Quatro Kayapós, o Papre, o Tabata, o Bebkaroti e o Txocrãn decidiram por acompanhá-lo, mas teriam que ir a pé pela estrada, ficando para trás. No meio do caminho, Kaya Juruna foi abordado por policiais que o derrubaram da moto e o espancaram até o momento que os quatro Kayapós chegaram. Bebkaroti identificou que junto dos policiais estavam os mesmos “policiais” que explodiram o caminhão da FUNAI, entretanto, agora eles usavam uniformas com identificação do SEMA (Secretaria do Estado do Meio Ambiente). Os quatro Kaypós tomaram a mais estranha atitude. Eles juntaram os punhos e diziam: “Me prende! Me prende! Kaya também é nosso parente, agora vocês vão ter que levar todo mundo”. Os quatro ficaram algemados até o momento em que Tenente Castelo chegou e, reconhecendo o que lá acontecia, os libertou. Ao que parece, os “falsos policiais” não foram repreendidos pelo Tenente.

Kiabieti: “Kaya saiu de motocicleta indo para cidade, derrubaram ele da moto e bateram muito, ele ficou bem feio, e a policia (Federal) não chegou nem assim.”

A polícia não chegou, mas chegaram cerca de 160 guerreiros Kaypós de outras Terras Indígenas ao redor. Foi Raoni quem mandou. Eles invadiram a pousada Trairão e a fazenda que fica ao lado. Na mesma tarde um avião pousou na área, levando um desavisado servidor da FUNAI. Os indígenas detiveram o avião, mas acabaram por permitir que o piloto decolasse sozinho, levando a mensagem de que eles haviam sequestrado o agente da FUNAI, Manuel Aparecido Nunes de Mello. Os indígenas produziram um vídeo em que Manuel Aparecido aparece amarrado na placa de identificação da TI, pedindo clemência à presidente Dilma. No mesmo dia, Raoni enviou um radiograma do Metuktire para o Kapot Nhinore, ironicamente parafraseando marechal Rondon: “Morrer se preciso, matar jamais.”. O que demonstra a natureza pacífica do ato. Eles reivindicam:

1 – A demarcação da Terra Indígena Kapot-Nhinore.

2 – A substituição da coordenação regional da FUNAI de Colíder MT (Sebastião Martins) por um funcionário Indígena.

3 – Auxilio da policia Federal no Combate aos invasores e pistoleiros.

No dia 16 de Fevereiro, uma amiga jornalista do Estado de São Paulo ligou na FUNAI para se informar sobre o sequestro. Ao que parece, lá ninguém sabia de nada.

No dia 17 de Fevereiro, Sebastião Martins acompanhado de oito Policias Federais chegaram ao Kapot Nhinore. Manuel Aparecido então foi solto e a verdadeira policia prometeu investigar e prender os falsos policiais. Sete Policiais Federais retornaram e apenas um permaneceu na TI. Recebi um recado do Instituto Raoni de que muitos policias iriam voar do Piaraçu para o Kapot Nhinore, mas isso ainda não ocorreu. Em quanto isso, Raoni Metuktire ordenou a produção de uma grande quantidade de farinha de mandioca:

Raoni: “Agora vão as mulheres e crianças, vamos formar uma aldeia grande lá no local da pousada, não sairemos enquanto não estiver tudo demarcado, Bedjai também já foi pra lá.”.

Bedjai Metuktire ficou famoso por duas vezes, mais recentemente por encontrar os corpos dos passageiros do voo 1907 da Gol, acidente que envolveu o jato americano Legacy. Ele dizia que sonhava com a localização dos corpos e de fato foi Bedjai quem localizou cerca de 150 corpos no meio da mata. Nos anos de 1960, o guerreiro ficou famoso durante a “guerra da balsa”. Na ocasião, os Kaypós dizimaram a Vila de São José do Xingu formada em sua maioria por garimpeiros. Foi Bedjai quem comandou o ataque. A antiga cadeia da vila permanece ainda hoje no centro da Aldeia Piaraçu e Bedjai mora dentro dela para se lembrar diariamente da ameaça que são os brancos. No momento, Bedjai encontra-se no Kapot Nhinore.

Bedjai: “Eles tem armas, mas nós também temos. Se for pra morrer eu vou morrer na mão dos pistoleiros.”

José Eduardo Cardoso deveria agora usar sabiamente a “borduna” dada de presente por Raoni.

São Paulo, dia 18 de Fevereiro de 2012.

Kabokin (Andre Vilela d'Elia)

Date : 27/02/2012

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